Conheça a história do Gustavo Landsberg, médico e fundador da Canguru.
A medicina pode te levar para caminhos diferentes, mas tão promissores e incríveis quanto atuar na prática clínica.
Há 17 anos, durante a vida universitária, Gustavo Landsberg nem imaginava que sua trajetória combinaria áreas como Medicina de Família e Tecnologia da Informação. Hoje, à frente da startup Canguru, Gustavo fala sobre a sua carreira, empreendedorismo e o futuro da medicina.
Alume: Por que você escolheu a medicina?
Me recordo de ter tido um certo encantamento pela genética, pela racionalidade dela, mas logo no primeiro ano da faculdade eu me desencantei com aquilo, pois percebi que a genética não é tão matemática e previsível quanto imaginava. Mas olhando hoje para trás, acredito que escolhi a Medicina porque era mais difícil. Sempre gostei muito de desafio e confiava na minha capacidade. Eu tinha 16 ou 17 anos, ainda não sabia muito bem o que ia encontrar pela frente.
Mas a minha escolha mesmo não aconteceu durante o vestibular, ela veio após a formatura. No quarto ou quinto ano da faculdade, eu me encantei com a prática clínica, com os internatos e os estágios nos ambulatórios, principalmente nas unidades básicas do SUS e na prática da medicina de família. O auge foi o internato rural, quando eu e algumas amigas escolhemos uma unidade no interior de Minas Gerais, uma região de difícil acesso e mais pobre. Lá, a gente levava mais valor e o nosso trabalho fazia muito sentido. Foi depois que me formei que eu percebi o quanto gostava de ser médico!
Alume: E por que você optou pela Medicina de Família e Comunidade?
A Medicina de Família não foi uma escolha óbvia. Ela permeou o meu curso durante as práticas de medicina geral do adulto e de crianças nos ambulatórios das unidades básicas. Eu gostava muito, mas eu também gostava de pequenas cirurgias e procedimentos. Durante a faculdade, eu tinha certeza que seria cirurgião plástico.
Quando me formei, percebi que não era aquilo que eu queria. Mais do que isso, pensava que não era aquilo que o Brasil precisava. Eu tinha uma visão bem idealista e questionava qual era o papel e a função social de um médico. Lembro que estava numa situação financeira precária e – para juntar uma grana – optei por atuar na estratégia da saúde da família antes de pegar a residência. O meu primeiro caso foi um paciente com doença de Chagas e me dediquei muito por aquela família, criei até um vínculo forte com eles.
Após um ano dessa experiência, voltei para Belo Horizonte com a certeza de que não queria mais a cirurgia plástica. Fui atuar em uma outra comunidade, em Brumadinho, Minas Gerais, onde fiquei por cinco anos e tive uma profunda integração com a comunidade. Foi lá que eu descobri que existia uma especialidade de Medicina de Família e Comunidade. Decidi fazer residência nessa área no Hospital das Clínicas, porém era muito embrionária ainda e optei por deixá-la para me dedicar a uma prova de título. Assim que eu tirei a prova, fui convidado para ser preceptor da residência do Hospital Regional de Betim. Na sequência, decidi fazer meu mestrado em Atenção Primária na Espanha.
Alume: Como foi sua experiência na Espanha?
Eu não tinha bolsa de estudos e precisei vender o carro. Fui só com um dinheiro guardado, que durou seis meses. Eventualmente eu retornava para o Brasil, pois já era convidado para alguns congressos e eventos, e aproveitava o tempo no país para fazer plantão e juntar uma grana antes de voltar para a Espanha. Isso me segurava mais alguns meses lá.
Eu sabia que meu diploma não era válido na Espanha, então procurei alguns trabalhos que pudessem trazer uma perspectiva de usar o meu conhecimento médico, mas sem a prática da medicina. Naturalmente surgiu a tecnologia. Comecei a estudar sobre prontuário eletrônico e procurei algumas empresas de tecnologia para atuar. Minha dissertação do mestrado também teve relação com tecnologia. Quando publiquei meu artigo e voltei para o Brasil, uma grande empresa de saúde em Belo Horizonte viu que eu era um médico de família com conhecimento em tecnologia e me chamou para fazer parte da empresa. Criaram uma área nova e eu era o único médico entre 160 pessoas de TI. (risos)
Alume: Conta um pouquinho dessa trajetória em TI?
Fui aprender praticamente um outro idioma (risos) e entender como era a mecânica de um departamento de TI. Meu primeiro projeto foi fazer a integração dos prontuários da empresa, que na época estava crescendo muito rápido, com novos ambulatórios e hospitais. Fiz um estudo, criei grupos de discussões com médicos e organizei uma comissão permanente de prontuário. Foram três anos de projeto até a total integração. Nessa jornada percebi que eu tinha aptidão para a inovação e sempre levava as novidades do mercado e criava ações específicas para algumas necessidades. Com o tempo a empresa criou um Centro de Inovação e eu fui levado para lá como consultor. A gente criava muitos projetos neste centro, mas eles também não se concretizavam na prática.
Alume: Vamos falar um pouco sobre o desafio de fundar uma empresa, já que você é um dos criadores da Canguru. Quais dificuldades você enfrentou como médico nesse campo do empreendedorismo? E como aprendeu sobre negócios?
Nunca tive o sonho de empreender, pelo menos não de maneira concreta. Eu sempre gostei de ser médico de família e em nenhum momento eu abandonei. Mas a ideia de empreender surgiu dessa frustração que vivi dos projetos não acontecerem. Encontrei um amigo de TI e ele comentou: “Eu sou de TI, você é de médico. Por que a gente não faz algo juntos?”. A gente se inscreveu no edital de aceleração de startups do governo de Minas com um projeto de aplicativo para diabéticos e fomos aprovados. Logo identificamos que não daria certo fazer sobre diabetes, pois o tempo para comprovar a eficácia do aplicativo seria muito longo, já que as primeiras complicações do diabetes levam aproximadamente 20 anos para surgir. Precisávamos de algo com começo, meio e fim. Assim, optamos pelo caminho da obstetrícia. Nosso projeto ficou seis meses numa incubadora de negócios e nesse período estudamos muito, fizemos pesquisas e entrevistas com muitas grávidas. Quando a gente lançou o aplicativo, colocamos no mercado algo que estava muito alinhado com as gestantes. Elas viram muito valor e rapidamente esse serviço se espalhou. Em dois anos, a gente tinha mais de 25 mil mulheres em 800 cidades pelo país.
E qual a dificuldade de empreender? Acho que é ter conhecimento em gestão mesmo. Durante a faculdade, a gente não recebe orientação sobre empreender ou como administrar um consultório. Não somos treinados para a gestão.
Alume: Como você enxerga o futuro da medicina?
A gente vive um cenário com um excesso de concentração tecnológica em setores secundários e terciários da saúde, enquanto a atenção primária é praticamente inexistente no setor privado. Acredito que o futuro da medicina tem que ser um retorno à atenção primária, a um relacionamento pessoal e mais próximo do paciente com seu médico de família. Menos “medicalocêntrico” e “hospitalocêntrico”.
Estamos fazendo muita prevenção secundária, que é o rastreamento de doenças, enquanto a prevenção primária, que seria a identificação e tratativa de fatores de risco, ainda é baixa. Mudanças no estilo de vida, na alimentação, o combate ao tabagismo, sedentarismo e obesidade… São esses os fatores que protegerão a saúde das pessoas. Acredito que a medicina no futuro vai retroceder e será mais simples, mais devagar, mais centrada na relação humana e focada na melhoria da qualidade e estilo de vida do que na tecnologia de insumos, de medicamentos e exames. Não vejo outro caminho.
Alume: E como você acredita que será o dia a dia dos médicos daqui a 10 anos?
Acho que o dia a dia mesmo do médico vai mudar muito pouco. A relação profissional entre um médico e paciente se estabelece principalmente na base da comunicação e da confiança. E isso não vai deixar de existir. Não acredito em substituição do ser humano nessa relação de saúde. Uma pessoa que tem um sofrimento concreto, ela precisa de um acolhimento, dessa relação humana e de um cuidado. Acho que a incorporação das ferramentas digitais se dará de forma natural e tranquila, assim como já acontece. Em breve a própria palavra Telemedicina deverá cair em desuso. Existe a medicina e você pode fazer uma consulta com ou sem uso de recursos digitais, mas continua sendo uma consulta e uma relação entre um profissional e uma pessoa que está doente.
Alume: Pra encerrar, que conselho você daria para um estudante de medicina que gostaria de empreender?
Quem quer empreender, antes de tudo, tem que ter propósito. Uma pessoa que busca apenas retorno financeiro no empreendedorismo, só vai conseguir, no máximo, retorno financeiro. A vida é bem mais que isso. A vida é o caminho que a gente faz nessa trajetória. Se o que você tá fazendo tem propósito ou faz sentido para sua comunidade, para o planeta, esse retorno é natural. Eu continuo acreditando (risos)… Eu empreendo há sete anos e o retorno financeiro ainda não atingi, mas tudo bem. Eu não estava buscando isso desde o início. Agora, o retorno de aprendizado, de superação, de contato com profissionais incríveis, já valeu. A caminhada valeu! E o outro conselho é: esteja disposta ou disposto a doar parte da sua vida para sua empresa. Você vai acabar entregando uma fatia grande do seu tempo, que seria dedicado ao lazer ou à família, para o seu negócio crescer.
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